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A gravidez em menores decorrente de estupro

O perito Rildo Silveira fala a importância do conhecimento da sociedade sobre a realidade de meninas (crianças e adolescentes) que ficaram grávidas como consequência do estupro.

Por: Rildo Silveira
20/01/2021

A realidade de meninas (crianças e adolescentes) que ficaram grávidas como consequência do estupro é um assunto que precisa de muita atenção e dos devidos planos e políticas de apoio e enfrentamento. Há quase 1 ano junto com alguns colegas de profissão, brasileiros e de outros países como Moçambique e Angola (onde a realidade é assustadora) como o colega e amigo Joaquim Saude (Moçambique), estamos trabalhando em um importante projeto internacional voluntário de apoio às menores-vítimas que ficaram grávidas após ter sofrido estupro. Trabalhamos também em apoio às instituições para preparação e divulgação de material de conscientização sobre esta realidade, pois percebemos que uma parte da sociedade não tem conhecimento nenhum sobre estes fatos e outra parte da sociedade é totalmente omissa perante estes crimes.

A realidade encontrada é assustadora por 3 aspectos: 

1) muitas destas meninas (inclusive crianças) ficaram grávidas após ter sido vítima de estupro e também de estupros coletivos

2) existe uma fortíssima subnotificação destes crimes ou seja: somente uma pequena parte chega às autoridades

3) muitas das vezes os casos não são denunciados por medo de vinganças, por vergonha e por desconfiança na justiça

É preciso levar de verdade a conhecimento da sociedade a realidade destas meninas (repito: são crianças e adolescentes) que são vítimas de estupros dentro do próprio lar, que são vítimas de estupros por pessoas estranhas e desconhecidas ao próprio convívio social, assim como muitas delas são vítimas de exploração sexual, onde em inúmeros casos são obrigadas pelos próprios exploradores (às vezes até próprios familiares) a ter relações não protegidas e as consequências na maioria das vezes são gravidez e/ou as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis). Esta é a crua e triste realidade destas menores vítimas. Além dos impactos negativos inerentes a gravidez precoce, o estupro se torna um fator de risco adicional importante na gravidez, no parto e no nascimento. Por este motivo considero fundamental o desenvolvimento de mais políticas internacionais integradas sobre o enfrentamento do problema e total conscientização da sociedade perante a este grave problema que existe e representa umas das piores realidades que nossas crianças e adolescentes vivem sem nenhum tipo de proteção e tutela.

Dados oficiais revelam que ocorrem no Brasil, em média, 6 internações diárias por aborto envolvendo meninas de 10 a 14 anos que engravidaram após serem estupradas. Esses casos envolvem procedimentos feitos no hospital e internações após abortos espontâneos ou realizados em casa, por exemplo. O número parece alto para quem não tem conhecimento do assunto, mas na verdade ele é pequeno perto da quantidade de estupros de crianças e adolescentes que ocorrem no Brasil: a cada hora, 4 meninas de até 13 anos são estupradas no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Segundo dados tabulados pela BBC News Brasil no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, o Brasil registra ao menos 6 abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos, em média. Só em 2020, foram ao menos 642 internações. O país registra também uma média anual de 26.000 partos de mães com idades entre 10 a 14 anos. Das 20 cidades com mais internações em números absolutos, todas são capitais, exceto Duque de Caxias (RJ), Feira de Santana (BA) e Campos de Goytacazes (RJ). Detalhe: não há dados disponíveis sobre o sistema privado de saúde. Nos últimos 10 anos, o Brasil registrou, em média, 1 interrupção de gravidez por razões médicas por semana envolvendo meninas entre 10 a 14 anos. Em 2020, foram ao menos 34 ocorrências nesta faixa etária e 1.022 incluindo mulheres de todas as idades.

A SITUAÇÃO PERANTE A SOCIEDADE

Um fator pela minha opinião gravíssimo é que muitas pessoas consideram “normal” ou “questão de cultura” que uma adolescente fique grávida nesta faixa etária.

Muita gente já nem presta mais atenção na menina de 13 ou 14 anos grávida, pois a atenção está sendo focada na gravidez de meninas de 10, 11 anos de idade. Em tudo isso a realidade destas meninas grávidas se apresenta mais preocupante ainda pois muitas delas inclusive são vítimas de violência obstétrica que juntando ao terrível crime de estupro sofrido vai criando mais traumas ainda (físicos e psicológicos) com consequências devastadoras. O crime de estupro atinge corpo, mente e dignidade das vítimas, e o sofrimento gerado pode levar a depressão, transtornos e tentativas de suicídios, além de outros sérios impactos para a saúde e a qualidade de vida das vitimas com maior risco de deterioração da saúde física, principalmente da saúde sexual e ginecológica. A gravidez em crianças e adolescentes com menos de 15 anos além de ser perigosa pode apresentar traumas obstétricos, diversas complicações ao bebê, como maior frequência de prematuridade, de baixo peso ao nascer, doenças respiratórias e mortalidade infantil.

No caso de gravidez proveniente do estupro a situação de vulnerabilidade da criança ou adolescente vitima se agrava, já que representa um evento não desejado e produto de uma violência. Portanto, vão se intensificando os índices dos diversos problemas de saúde da gravidez precoce, somando-se ainda a menor chance de ter um pré-natal adequado, depressão e de contrair, como já mencionei anteriormente, infecção por transmissão sexual (incluído HIV). Além disso o dano psicológico também principalmente sobre as escolhas: tomar decisões difíceis como continuação ou interrupção da gravidez: em alguns dos casos que recebemos e analisamos, para algumas das menores-gravidas que continuaram com a gestação decorrente do estupro, não foi uma decisão consciente ou pessoal, e decorreu de carência de acesso para interrupção, falhas nos métodos empregados, pressões externas ou falta de conhecimento sobre seu estado. Na esfera emocional principalmente tratando-se de crianças e adolescentes, a violência sexual é capaz de produzir efeitos complexos e devastadores tanto físicos quanto emocionais como depressão, perda da autoestima, senso de culpa, vergonha e dificuldades de estabelecer relações interpessoais tendendo ao isolamento social. Tudo isso infelizmente leva a menor vítima a produzir uma espécie de autoproteção chamada “silêncio”.

“Eu sinto que é uma coisa que não quero” … “Não me sinto grávida, nem mãe e nem mais mulher”… 

“Só sinto que foi um erro que aconteceu, uma desgraça, uma coisa muito ruim e não quero levar isso pelo resto da minha vida”…

“É muito o que eu já vou ter que carregar: lembranças e pensamentos”…

Estas são frases de algumas menores vítimas com desejo de interromper a gravidez decorrente de estupro.

“Mas eu vejo que aquela criança não pediu para estar ali, ela não pediu, e não sabe como foi que aconteceu. Ela não tem culpa”…

Frase de uma adolescente que decidiu continuar a gravidez e buscar  força e saída de tudo isso através do próprio sentimento.

Não acreditem em quem define o pedófilo ou abusador sexual como doente! ELES NÃO SÃO DOENTES ! Eles possuem plena consciência em todos os sentidos  daquilo que estão fazendo e nossa sociedade precisa acordar e entender que ninguém tem direito de roubar infância, sonhos, inocência e dignidade de crianças e adolescentes. Nossa luta contra a Pedofilia, contra o Abuso e Exploração Sexual Infantil é uma verdadeira missão!

RILDO SILVEIRA

Perito em Crimes contra Crianças e Adolescentes do SEJUD – TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) – Psicanalista Clínico da SPSIG (Sociedade Psicanalítica Sigmund Freud) – Registrado no Cadastro de Peritos do Ministério Público do Estado de Rondônia – Especialista em Perícia Social e Psicossocial no Campo Sociojurídico – Criminólogo Membro do IBECRIMA-Instituto Iberoamericano de Criminologia Aplicada (Valencia – Espanha) – Docente e Palestrante do Congresso Internacional de Ciências Forenses 2020

Website: https://rildosilveiraspsig.wixsite.com/rildosilveiraperito

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