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A realidade das crianças vítimas de abuso sexual

O perito Rildo Silveira, explica as dificuldades das crianças cuja dignidade, inocência e direitos são diariamente violados e roubados. Confira o artigo.

Por: Rildo Silveira
29/04/2020
O abuso sexual, na maioria dos casos, não deixa marcas na vítima, o que dificulta sua descoberta. Esse crime possui como peculiaridade sua ocorrência na clandestinidade, isso, pelo simples fato que apenas a vítima e o abusador participam do ato, que geralmente ocorre em lugar longe ou em ausência de outras pessoas, dificultando assim inclusive a obtenção de provas.
O crime de estupro contra crianças e vulneráveis é um crime onde o abusador tem conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso contra menores de 14 anos ou contra aquela pessoa que no momento da ação não possuía discernimento ou que não poderia oferecer resistência para a prática do ato. Como mencionado anteriormente é um crime cometido ao ermo, com difícil meio probatório.
O artigo 217-A do Código Penal representa a penalidade do crime praticado contra menor e vulnerável. É preciso entender o conceito de vulnerabilidade: é “vulnerável” qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo (a lei se refere ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, fisiológica, biológica etc). Um menor de idade, sexualmente explorado, pode atingir às custas desse prematuro envolvimento um amadurecimento precoce. Não se pode afirmar que seja incapaz de compreender o que faz, e no entanto, ele é considerado vulnerável, dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual.
Continuo dizendo e afirmando que pedófilos e abusadores não são doentes como muitos ainda pensam, pois estão plenamente conscientes daquilo que estão fazendo(é só analisar a dinâmica do crime que vai da escolha, ao aliciamento até á concretização do abuso).

As dificuldades

Como já diz o crime de estupro de vulnerável é um crime que é praticado na clandestinidade, por vezes dificulta sua autoria, ou seja dificulta por vezes a identificação do agressor, assim como aquela do testemunho. Sendo assim, a coleta de provas é a parte mais difícil. Quando o ato é consumado, ou seja, há cópula, penetração, a prova do crime pode ser mais facilmente identificada no exame de corpo de delito, obtendo assim a prova material, que já em si esclarece e comprova o ato. Quando o abusador pratica outros atos libidinosos (presente no artigo 217-A, que pode ser entendido como algo na mesma gravidade do sexo oral, anal, vaginal, e de introdução de objetos na vítima) a única testemunha pode ser a própria vítima.

O exame pericial

O exame pericial é feito por médico legista, que examina o corpo, os genitais da vítima, verifica se houve ato sexual completo mediante marcas que comprovem a violência. Neste caso, no procedimento são recolhidos elementos presentes como sêmen, pelos, secreções, suor, vestígios de pele e sangue, inclusive sob as unhas. Os elementos mais comuns nos laudos nos exames são baseados na existência de vestígios da conjunção carnal e dos atos libidinosos desde a ruptura do hímen e resíduos de sêmen, além da confirmação do emprego de violência na prática do delito, como a existência de lesões no anus, hematomas, e por fim, as consequências do ato para a vítima como perigo de vida, doença incurável (DST) etc

Função da perícia

A função principal da perícia é aquela de comprovar a realização do crime, e as lesões ocasionadas por este, pois é de suma importância a prova de que este ato não foi consentido (lembrando que mesmo com consentimento é crime se realizado com menor de 14 anos – Art. 217-A CP). No entanto, quando a vítima já possui vida sexual ativa, presume-se que o exame não possa comprovar muita coisa, já que no exame o legista tenta descobrir a condição anterior da vítima (virgindade) e se o ato foi recente (máximos dois dias). Caso a agressão tenha ocorrido há pouco tempo, o médico coleta o sêmen do agressor e outros elementos, que servirão como provas.Por este motivo a vítima precisa ser encaminhada para a realização do exame com urgência (fato que infelizmente nem sempre acontece muitas vezes, seja pelo medo da denúncia e até por diversos fatores psicológicos). 

E nos casos em que não há conjunção carnal?

Há outros pontos significativos em relação ao exame, que pode em alguns casos não detectar vestígios, porque há casos de estupro sob os quais as vítimas não apresentam lesões. O fato que por exemplo de os laudos de conjunção carnal e de espermatozoides resultarem negativos na perícia, não invalida a prova do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação. Então nessas hipóteses, caso os vestígios não possam mais ser detectados no exame pericial, a prova testemunhal poderá suprir este. Neste caso inclusive, em decorrência da falta de vestígios, o juiz pode aceitar a prova testemunhal mas deverá solicitar um laudo pericial elaborado a partir das falas das testemunhas. No entanto a eficácia do laudo pericial sobrepõe a prova testemunhal.

Qual a importância da palavra da vítima?

Como já diz anteriormente, os crimes de estupro de vulnerável e abuso sexual possuem como principal característica o fato destes serem cometido na clandestinidade, longe de testemunhas, e com pouca probabilidade de existência de provas, sendo assim, o depoimento da vítima pode se tornar uma prova substancial, de extrema relevância e importância. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, tem especial relevância probatória, ainda mais quando em equilíbrio e coerente com o conjunto fático-probatório. É importante lembrar que o abuso sexual contra criança, geralmente é praticado por pessoas próximas a ela e tende muitas vezes a omitir-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela a violência sofrida e seu sofrimento por medo, por sensação de culpa ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar.
O futuro das crianças brasileiras
Posso dizer que o principal problema é que as nossas crianças continuam sendo a parte mais vulnerável da nossa sociedade,as mais atingidas e vitimas em todos os sentidos de pedofilia, abuso e exploração sexual, assim como do trabalho escravo, tráfico humano e também vitimas de quem deveria cuidar deles. São crianças cuja dignidade, inocência e direitos são diariamente violados e roubados.
A coisa mais preocupante é a sub-notificação de crimes de abuso sexual infantil pois é importante lembrar que somente uma mínima parte chega até as autoridades.A maioria dos casos investigados e analisados (e também parte daqueles em que estou trabalhando atualmente) são o exemplo mais claro e evidente do tamanho do sofrimento e das maldades que estas crianças estão vivendo: crianças que são sexualmente abusadas (muitas pelos próprios pais, padrastos e parentes), muitas que passam por verdadeiras sessões de torturas, sem contar aquelas que já com 9-10 anos de idade pensam em querer tirar a própria vida, ou adolescentes que praticam auto-mutilação. Como Profissional esta é a realidade que vivo, que observo e que considero repugnante. 
Rildo Silveira
  • Perito em Crimes contra Crianças e Adolescentes – Violência Doméstica do TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
  • Presidente da Comissão de Defesa da Criança e Adolescentes na Internet da APECOF (Associação Nacional dos Peritos em Computação Forense)
  • Perito Auxiliar da Justiça do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo
  • Registrado no Banco de Peritos do Tribunal de Justiça de Goiás
  • Perito registrado no Cadastro Nacional de Peritos cadastronacionaldeperitos.com
  • Investigador do Grupo SEIP e da Associação Ordem dos Detetives do Brasil
  • Afiliado ao CONDESP (Conselho dos Detetives Particulares do Estado de São Paulo)

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