Os indivíduos que se destacam em virtude de suas altas habilidades ou feitos prodigiosos sempre foram foco da curiosidade popular. Desta forma, os meios de comunicação atuais estão sempre buscando exemplos de crianças e jovens que se destacam por seu potencial superior. Assim, em 2001, uma das crianças em destaque era Igor, um simpático garotinho de três anos, morador de uma região administrativa do Distrito Federal. Igor tornou-se notícia de jornal por ostentar uma habilidade precoce para uma criança de sua idade. Ainda trocando o “r” pelo “l”, Igor surpreendeu sua professora do Maternal II, quando esta perguntou, mostrando um livrinho de estórias: “Quem sabe o que está escrito aqui?” “Eu sei! – respondeu Igor: “A menina Dorminhoca!” e leu todas as outras informações contidas na capa do livrinho. Chamada na escola, a mãe informou que Igor, com um ano e meio, já lia anúncios na rua e se exibia para pequenas plateias. Os pais, de origem humilde e pouca instrução formal, explicaram que não ensinaram a criança a ler, embora tenham dado a ela oportunidade de manipular livros, oferecidos como distração enquanto ambos estudavam. Embora orgulhosos do filho, os pais revelavam uma preocupação típica de quem tem em casa uma criança precoce: não querem que o filho se sinta diferente ou excluído pelos colegas.
Acontece que Igor está longe de ser um caso único, ou mesmo raro. A habilidade superior, a superdotação, a precocidade, o prodígio e a genialidade são gradações de um mesmo fenômeno, que vem sendo estudado há séculos em diversos países, como China, Alemanha e Estados Unidos. No entanto, concepções teóricas divergentes, assim como percepções estereotipadas sobre a superdotação, em geral propagadas na sociedade, têm permeado o campo (Ziegler & Heller, 2000). Nota-se, por exemplo, na notícia de jornal sobre o caso de Igor, uma confusão entre “prodígio” e “precoce”, já no título da reportagem, onde se lê: “Criança prodígio – Igor é um pequeno craque. Com um livro nas mãos”, o que acaba por trazer mais desinformação ao campo e confundir também a população. Além disso, ao focalizar sua atenção em demasiado na divulgação de casos raros, a mídia colabora na propagação da superdotação como uma competência extremamente elevada em todas as áreas, gerando uma expectativa de desempenho e de produção que não se observa neste grupo de forma homogênea (Alencar, 2001).
Neste artigo vamos abordar as diferentes terminologias na área mostrando, por meio de exemplos e estudos de caso veiculados pela mídia e que fazem parte do senso comum, a diferenças entre este grupo tão heterogêneo. Exemplos de crianças precoces e prodígios serão discutidos. A fim de ilustrar os diferentes tipos de talentos focalizados na definição brasileira de superdotação, mostraremos as características apresentadas por pessoas que são reconhecidas como gênios. E, por fim, faremos o contraponto com as definições oferecidas pelos pesquisadores da área, analisando a superdotação por sua perspectiva científica. Antes, vamos esclarecer as diversas denominações para o termo “superdotado”.
A CRIANÇA PRECOCE
São chamadas de precoce as crianças que apresentam alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento, como na música, na matemática, nas artes, na linguagem, nos esportes ou na leitura. Sem dúvida, Igor é uma criança precoce, mas não se deve rotulá-la como superdotada, prodígio ou gênio, sem antes acompanhar seu desenvolvimento. Mesmo a superdotação precoce, em seu grau extremo, não é garantia de sucesso futuro, ou de que esta pessoa se tornará um adulto eminente.
Crianças superdotadas, para Winner (1998) são precoces. Elas progridem mais rápido do que as outras crianças por demonstrarem maior facilidade em uma área do conhecimento. No entanto, Freeman e Guenther (2000) alertam para o fato de que nem todos os adultos que se tornaram eminentes foram crianças precoces. Há múltiplos fatores que interferem na trajetória de vida de uma criança precoce além do nível de habilidade, como os atributos de personalidade, a motivação em buscar a excelência, o ambiente familiar propício para o desenvolvimento das habilidades e as oportunidades que aparecerão no decurso de sua vida. Além disso, a motivação intrínseca, a curiosidade e a vontade de aprender, fatores essenciais para um desempenho superior, dependem de um ambiente educacional enriquecido para se desenvolverem.
Tão precoce quanto Igor foi Léo Romano, que foi notícia em 2004 em uma revista semanal de informação. De família modesta da zona norte de São Paulo, filho de um bancário e uma dona de casa, Léo nunca frequentou escolas nem recebeu nenhuma orientação. No entanto, com 2 anos e meio já conhecia as letras do alfabeto, lia sílabas e palavras simples e demonstrava uma impressionante memória: sabia identificar as bandeiras dos Estados brasileiros e de uma centena de países. Além disso, memorizou fatos geográficos e históricos – por exemplo, sabia que a capital do Afeganistão é Kabul, que Nelson Mandela foi presidente da África do Sul e que Nero mandou atear fogo em Roma.
Divulga-se em destaque a precocidade no xadrez, chamando a atenção para dois irmãos, Giovani e Giuliano Vescovi. Giovani mal havia completado dois anos quando, de tanto observar o pai, aprendeu sozinho a montar as peças em um tabuleiro de xadrez. Esta criança precoce, no entanto, recebeu toda a atenção da família, que se mudou do Rio Grande do Sul para São Paulo quando Giovani tinha seis anos, para que pudesse receber orientações específicas relativas à sua área de talento. Aos sete anos obteve em Porto Rico a taça de vice-campeão do torneio mundial na categoria infantil, após seis horas de jogo. Seu irmão menor, Giuliano, que também treinava xadrez diariamente desde os 4 anos, foi campeão paulista na categoria dente-de-leite. Os irmãos só paravam o treino na hora de brincar – que para eles muitas vezes significava resolver problemas de matemática em livros de séries mais avançadas.
Fonte: Virgolim, Angela M. R. Altas habilidade/superdotação: encorajando potenciais / Angela M. R. Virgolim – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial.