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Abuso sexual infantil e estupro de vulnerável: a realidade e as dificuldades na produção de provas

O perito Rildo Silveira explica que as dificuldades durante os procedimentos investigativos e periciais são muitas, tanto na produção de provas, quanto por causa do preconceito e dos "mitos" que existem ao redor do crime de abuso sexual. Confira o artigo.

Por: Rildo Silveira
23/10/2020

O crime de abuso sexual contra crianças acontece em um contexto de “intimidade” e clandestinidade, onde se criam dinâmicas específicas, e acaba por ser um crime oculto sem grande visibilidade. Esta “clandestinidade” do abuso sexual vem trazendo algumas dificuldades no decorrer da investigação criminal ligadas principalmente à produção de provas. Devido à dinâmica tipicamente oculta e secreta deste tipo de crime, apenas a vítima e o agressor tem conhecimento dos fatos e, na maioria das vezes, não existem vestígios físicos ou biológicos, ou sequer evidências de ocorrência de abuso, que o exame médico-legal possa indicar (restando o testemunho da criança como o único meio de prova no qual se pode aferir a verdade material).É importante lembrar que o abuso sexual contra criança, geralmente é praticado por pessoas próximas a ela e tende muitas vezes a omitir-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela por exemplo a violência sofrida e seu sofrimento por medo, por sensação de culpa ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar.

As dificuldades durante os procedimentos investigativos e periciais são muitas, tanto na produção de provas, quanto por causa do preconceito e dos “mitos” que existem ao redor do crime de abuso sexual. Existem Infelizmente pessoas (e inclusive profissionais) que continuam afirmando e acreditando no fato que o abuso em uma criança acontece somente quando o laudo é “positivo”: além de ser totalmente inverídico isso representa mais um MITO criado por pessoas sem conhecimentos práticos da área pericial e investigativa de crimes de abuso sexual infantil.

No caso, por exemplo em que uma criança é obrigada pelo pedófilo a praticar sexo oral, pergunto, como pode um laudo pericial sair positivo? Nesse caso é muito complicado. Só se for um exame de DNA imediato com a presença de material biológico na boca e língua da vítima, mas é muito difícil a detecção neste caso até porque o tempo para constatar e verificar vestígios de sexo oral em uma criança é curto. Existem inúmeros casos de crianças vítimas de abuso sexual e estupro que foram obrigadas pelos abusadores a praticar sexo oral, e que como consequências das violências sofridas, contraíram várias doenças como o vírus do papiloma humano (HPV), herpes, infecção muco cutânea, câncer bucal e gonorreia. As dificuldades na detecção de sinais de abuso mediante sexo oral são muitas e dependem de vários fatores. Muitas vezes os sintomas de uma DST (como consequências do sexo oral) numa criança podem demorar como por exemplo nos casos do HPV na boca.

No entanto, uma criança pode ter o vírus HPV na boca e ao mesmo tempo não apresentar sintomas porque nem sempre as lesões são vistas a olho nu, necessitando pelo menos de uma lupa médica para ser detectado. O período de incubação do vírus HPV na boca pode varia entre 4 semanas a 1 ano neste caso os sintomas incluem o surgimento de pequenas lesões, parecidas com verrugas esbranquiçadas, que podem se juntar e formar placas. Estas pequenas feridas podem ser de cor branca, vermelha-clara ou ter a mesma cor da pele. Por vezes estas mesmas lesões podem ser semelhantes a uma afta.

Outro MITO, é o fato que se a criança “não repudia o suspeito/acusado” isso é prova do fato que não houve abuso: esta é mais uma inverdade! Como profissional começo pelo fato que uma criança REPUDIA de acusar alguém que ela gosta até porque ela na sua inocência NÃO sabe o que é um abuso sexual. Por este motivo considero totalmente INVERÍDICO o fato que se criança “não repudia o suspeito” significa que o abuso “não” aconteceu.

Nos casos dos abusos sexuais de menores, infelizmente muitos mitos, falsas crenças e ideias erradas ainda persistem, apesar do conhecimento que já se produziu nesta área e de todas as informações que temos sobre o assunto. Vale ressaltar que o imaginário dos adultos está repleto de conceitos e definições acerca do que é “certo ou errado”, “normal ou anormal”, “moral ou imoral”. De maneira geral quando falamos de abuso sexual infantil precisamos também evidenciar que existem tristes contextos familiares que continuam construindo e mantendo cenários de silêncio nos casos de abusos intrafamiliar, dando “motivo” à negligência, omissão, silêncio ocultando uma violência que gerou consequências devastadoras nas crianças-vítimas.

Já atuei em casos em que a crianças sofriam abusos intrafamiliares com as mães coniventes, outras que mesmo sabendo dos abusos ficavam caladas e outras que não acreditavam nas palavras dos próprios filhos. Imaginem a situação destas criaturas e a dor! Por este motivo que muitas vezes as crianças são duplamente vítimas de violência: daquela sexual e ao mesmo tempo vítimas do silêncio de quem deveria protegê-las. Imaginem como uma criança pode crescer e viver em um ambiente onde é violada em todos os sentidos. Obviamente situações como estas, como mencionei anteriormente levam a consequências devastadoras nas vítimas.

 

A ação do pedófilo-abusador sexual 

Sobre o Pedófilo/Abusador posso dizer que existe um denominador comum entre os abusadores sexuais de crianças: primeiramente são pessoas acima de qualquer suspeita. Em todo este tempo de profissão na área de Investigação e Análise de crimes ligados à Pedofilia (Abuso Sexual, Exploração Sexual de Menores, Cyberpedofilia) em vários casos detectamos “meios” e “técnicas” de aproximação ás crianças comum entre os pedófilos. Normalmente estes criminosos se aproximam de crianças, convivem com crianças e neste convívio escolhem as vítimas e ao pouco vão estabelecendo uma “progressão” tanto no contato verbal, quanto, posteriormente naquele físico. Vale ressaltar que isso acontece também na Internet, pois não existe diferença entre o pedófilo que age na Internet e aquele que age fora dela: o objetivo do criminoso é o mesmo: por este motivo, é fundamental que todos os pais fiquem de olho com as atividades dos filhos menores na internet e ao mesmo tempo tomem cuidado em expor os filhos nas redes sociais (nunca vou parar de dizer isso!).

Muitos destes pedófilos/abusadores possuem “técnicas” próprias para chegar a concretizar os abusos. Por exemplo, brincam com a criança, tocam no corpinho dela em partes consideradas “permitidas” e “fora de qualquer suspeita” na frente de adultos, para depois (de maneira progressiva) intensificar a tipologia e frequência dos contatos, dos toques, criando uma maior intimidade, ganhando a confiança da criança até chegar à concretização do abuso ou estupro. Estes são somente alguns dos inúmeros motivos pela qual continuo afirmando que o pedófilo não é e não pode ser considerado “doente” pois ele tem plena consciência daquilo que faz e todas estas dinâmicas que mencionei anteriormente que começam pela escolha da vítima e que vão até a concretização dos seus atos, são a prova concreta do que o pedófilo além de não ser doente, não “age por fortes impulsos” como (infelizmente) muitas pessoas afirmam e pensam.

A nossa sociedade infelizmente muitas vezes cria um “padrão” de perfil do abusador sexual de criança e do pedófilo: além do fato que não existe um “padrão”, é preciso entender que o homem (pois na maioria dos casos os abusadores são homens) que pratica abusos e estupros de crianças é uma pessoa acima de qualquer suspeita: esta é a característica que a maioria deles têm em comum. O crime de abuso sexual infantil tem raízes em todas as camadas da nossa sociedade, em todas as classes sociais, raças, religiões, profissões e sexo, por este motivo podemos definir a pedofilia e o abuso sexual como “crimes sem rosto”.

 

As consequências do estupro de vulnerável nas vítimas e na sociedade

Estupro de Vulnerável: sua conceituação e elementos para configuração do crime.

Com o advento da nova Lei 12.015/09, o estupro cometido contra pessoa sem capacidade ou condições de consentir, com violência ficta, deixou de integrar o art. 213 do CP, para configurar crime autônomo, previsto no art. 217-A, sob a nomenclatura “estupro de vulnerável” 8. Visto que com a inclusão do referido artigo, a redação do mesmo passa a ser: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) anos a 15 (quinze) anos. §1° Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. §2° (Vetado) §3° Se a conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. §4° Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

As consequências do estupro de vulnerável são múltiplas! Começo pelo fato que pedofilia, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são crimes que envolvem toda sociedade e não somente as vítimas como muitos pensam! As principais consequências do estupro de vulnerável são as DST, os vários traumas e danos físicos e psicológicos que são devastadores, mas também é preciso falar de uma outra consequência que além de ser muito frequente é pouco enfrentada: a gravidez em crianças e adolescentes como consequência do estupro. Os números de mães adolescentes que engravidaram após estupros repetidos é chocante (isso no Brasil e no mundo inteiro!).

Durante uma recente pesquisa feita sobre as menores gravidas como consequência de estupros vi a existência de dados oficiais que revelam que no Brasil, ocorrem em média, 6 internações diárias por aborto envolvendo meninas de 10 a 14 anos que engravidaram após serem estupradas. Grande parte dos estupros que resultam em gravidez acontecem dentro do próprio lar, por um parente ou alguém próximo, e tudo isso infelizmente acompanhado pela forte subnotificação, ou seja, somente uma mínima parte destes crimes chegam as autoridades ou nas instituições. Além disso existem as consequências dramáticas das meninas adolescentes gravidas após ter sofrido estupro que são ao mesmo tempo vítimas de violência obstétrica: além dos danos psicológicos imensos, em muitas destas menores são praticados abortos clandestinos em locais com condições surreais, sem nenhum tipo de higiene e segurança. Tudo isso é uma verdadeira violação dos direitos humanos destas garotas como menores e como mulheres.

Boa parte destes abortos clandestinos acabam com o óbito das garotas. A realidade é dramática! Como já falei anteriormente, boa parte destas violências sexuais ocorrem nos ambientes familiares e são praticadas nas residências das vítimas, por pessoas que deveriam protegê-las, como pais, padrastos, padrinhos. Pelo fato da violência ocorrer em ambiente doméstico muitos destes casos não são denunciados, os abusadores ficam impunes e tudo fica na total omissão.

É preciso entender que estas vítimas são meninas que estiveram a infância, sonhos, dignidade e inocência destruídas pelos abusos e estupros além de lidar com as consequências dos traumas, como a depressão. Muitas delas tentaram o suicídio, outras conseguiram tirar a própria vida pelo desespero e pela falta de ajuda, outras hoje são mães sem infância, assim como outras foram vítimas de torturas através da prática de abortos clandestinos.

Esta é a realidade!

Um agradecimento especial para a Dra Paula Mary Delegada-Chefe de Polícia Federal da DRCC (Delegacia de Repressão de Crimes Cibernéticos), Dr Fernando Barletta da Polícia Federal e também da DRCC, Dr Rafael Barcia Delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro, a Dra Letícia Mobis Delegada Titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Tres Lagoas (Mato Grosso do Sul), Dr Daniel Gomes Comissário de Polícia Civil do RJ do DGHPP (Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa), Dr Alessandro Euzebio Psicanalista e Diretor Acadêmico do Instituto Gaio-SP, Dr Marcos Monteiro Presidente da APECOF-Associação Nacional dos Peritos em Computação Forense e Vanessa Lima Presidente do MILA (Movimento Infância Livre de Abusos), Dr Marcio Esteves Delegado de Polícia Civil do RJ, todos os Membros do CONDESP (Conselho dos Detetives Particulares do Estado de São Paulo) e ao Dr. Douglas Peres (Diretor do CODI Brasil).

 

Rildo Silveira
PERITO EM CRIMES CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DO TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DEFESA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE NA INTERNET DA APECOF – Associação Nacional dos Peritos em Computação Forense 
CRIMINÓLOGO-MEMBRO OFICIAL DO IBERCRIMA Instituto Iberoamericano de Criminologia Aplicada (Sede: Valencia – Espanha) 
PSICANALISTA CLÍNICO MESTRE EM PSICANÁLISE Sociedade Psicanalítica Sigmund Freud – SPSIG – São Paulo
PERITO JUDICIAL registrado nos Tribunais de Justiça dos Estados de SP-GO-AM-PB-MT 
PERITO JUDICIAL DA OPERB Ordem dos Peritos do Brasil
Website: rildosilveiraspsig.wixsite.com/rildosilveiraperito

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