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Demolição da antiga rodoviária: arquiteta Cláudia Baldasso emitiu sua opinião sobre o assunto

“Me sinto traída, furtada, apunhalada pelas costas. Como urbanista falo do patrimônio e como cidadã falo das minhas memórias”, disse a arquiteta e urbanista.

Por: Correio Nogueirense
03/06/2020

O prédio da antiga rodoviária de Artur Nogueira, no centro da cidade, começou a ser demolido ontem (02). Durante o dia, foi possível ver trabalhadores com tratores demolindo o local e caminhões retirando os entulhos.

A prefeitura ainda não se manifestou sobre o que vai ser feito no local. Segundo informações apuradas pelo Correio Nogueirense, no antigo prédio vai ser construída uma praça.

A equipe do Correio, conversou com a arquiteta e urbanista Cláudia Baldasso, que deu sua opinião sobre a demolição.

Claúdia fez questão de enfatizar que seu fundamento é patrimonial e como arquiteta urbanista, sem nenhum posicionamento  político, e sim como cidadã.

Confira:

“Estamos assistindo nossas memórias serem apagadas, demolidas, reconstruídas fora do contexto. Nosso patrimônio e nossas referências históricas como cidadãos nogueirense estão sendo descaracterizadas e estamos perdendo a nossa identidade com uma sequência de decisões equivocadas.

Começamos com a reforma da igreja matriz, agora temos a demolição do antigo prédio da rodoviária. Qual será o próximo item, o coreto, talvez a praça da fonte? Me sinto de luto como cidadã e minha tristeza se estende como arquiteta e urbanista no pesar por um prédio tão significativo na formação da nossa cultura local.

Estamos falando de bens intimamente relacionados com a identidade do local e que, por isso, ajudam a construir em nós uma sensação de pertencimento, muito importante em um mundo cada vez mais segregador.

Além de ajudar a montar o quebra-cabeça da história, o patrimônio histórico ou um prédio público, uma praça, o coreto, a igreja, a rodoviária no nosso caso atual, está repleto de informações sobre tradições e saberes da cultura de um povo e é importante fonte de pesquisa e referências da formação das famílias desse povo, da nossa população no caso de Artur Nogueira.

Referência da formação da cidade, da população, das chegadas e partidas, migrantes e imigrantes… sim, porque muitos foram recebidos e também deixaram de ser parte da população de Artur Nogueira por ali! A rodoviária é (era) a nossa referência de vindas e idas, de vidas e histórias a serem contadas naquele cenário.

…. Não precisa mais ter o mesmo uso, temos um novo local, contrário ou favorável, mas temos um novo endereço para a rodoviária, Ok!!! Não é o questionamento do seu uso, mas sim no seu valor que está também na referência do patrimônio! O local conta uma história e isso não pode ser arrancado como uma página velha e suja. Vamos preservar, restaurar, refazer, isso em Arquitetura chamamos de intervenção, revitalização, preservação!

Contar uma nova história dentro do mesmo contexto e criar novas memórias dando sequência!!!! Não fim.

Mas isso é comum acontecer em meios de maior interesse imobiliário, em um centro comercial favorável, sempre se tem um novo projeto para um local em desuso, em estado de abandono, em ruínas ou condenado pela sua estrutura antiga e arquitetura ultrapassada. Essas são sempre as respostas da hipocrisia e da ignorância imediata. É revoltante pensar pequeno e se desfazer assim como um objeto obsoleto.

Financeiramente pode até acontecer de uma restauração ou reforma serem tão complexas que custa mais dinheiro do que demolir a construção e fazer uma nova. Mas e o valor histórico e cultural, será que não deveria entrar nessa conta?

Para quem se preocupa tanto com o dinheiro, uma coisa é certa: os esforços constantes para a conservação, uma ação preventiva, manutenção, custam dezenas de vezes menos que a restauração ou que construir uma obra nova no local ou em outro como foi o caso da nova rodoviária recém-inaugurada. E ainda preserva melhor as características originais e todo o contexto do local, funcionalidade, costumes e comércios arredores que sobreviviam da sua existência ali naquele endereço. Enfim…

Me sinto traída, furtada, apunhalada pelas costas. Como urbanista falo do patrimônio e como cidadã falo das minhas memórias. Sim, muitas! Eu usei muito a rodoviária sempre estudando em cidades vizinhas, indo e vindo e voltando sempre para casa por ali! Tive alguém à minha espera, alguém me levando na pressa do horário do ônibus, na ansiedade da espera pelo atraso da chegada, no abraço da despedida de uma semana de aula de faculdade com a mochila pesada nas costas e nas promessas do final de semana chegar rapidinho para me buscar ali novamente! Eu tenho anos de memórias naquele cenário e isso hoje foi demolido por aquelas máquinas… na calada da noite… no barulho das máquinas durante o dia… assim do nada, por nada e sabe-se lá para que?! Alguém sabe… eu não sei mas adoraria saber, ser consultada como cidadã ou ter ciência antes dos fatos. Fui pega de surpresa com a notícia e não tive muita informação ainda, mas vou querer saber se tivemos defesa nesse fato ou foi-nos imposta essa decisão.

Quem não tem o menor interesse nisso tudo ainda pode estar tentando entender qual a utilidade em preservar um prédio antigo.

Para esses, eu cito o velho chavão: “povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. A repetição, nesse caso, é no mau sentido, de passar novamente pelos fracassos.

Isso aconteceu, ao meu ver, na reconstrução da antiga Estação Ferroviária, onde hoje é o Centro Cultural Tom Jobim… reconstruíram um prédio que antes na década de 60, fora demolido sem essa análise… e agora vemos a rodoviária sendo também arrancada da memória da cidade… será que daqui algumas décadas também será refeita como um memorial aos velhos tempos… que lamentável!

Lamento e me sinto menor hoje, diminuída mediante a brutalidade da imagem de uma máquina demolindo as minhas memórias junto com os tijolos e ferros retorcidos.

Aos que chegarem agora, recebidos em uma nova rodoviária, um prédio novo, moderno e envidraçado, bem-vindos! Estamos buscando novos membros que possam acrescentar cultura em nossas referências tão infundadas e rasas de projetos sólidos embasados nas teorias do planejamento Urbano e Humano.

Bem-vindos! Em que pode nos ajudar?!”.

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