A atuação do Ministério Público de São Paulo resultou em decisão judicial que obriga um casal de Paulínia a vacinar o próprio filho, atualmente com três anos de idade. Em acórdão do mês de julho, a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou recurso interposto pelo promotor de Justiça André Perche Lucke e determinou que a mãe e o pai regularizem a vacinação obrigatória da criança no prazo de 30 dias, contados da intimação da decisão.
A ação em questão foi ajuizada após a Promotoria de Justiça receber, do Conselho Tutelar de Paulínia, a informação de que a criança nunca havia sido vacinada por opção por pais, que são “adeptos de ‘filosofia vegana’ e contrários a qualquer intervenção do gênero (tida por ‘invasiva’)”.
Ao tomar conhecimento da situação, o membro do MPSP designou reunião com os pais da criança. Na ocasião, eles confirmaram os fatos e reiteraram que não desejavam vacinar o filho antes dos dois anos de idade. O casal informou que optou por um crescimento de “intervenções mínimas”, que o filho estava saudável e que ele não ia à escola, portanto, estaria “longe de riscos de infecções”. Contudo, segundo relatório médico juntado aos autos, o pediatra responsável pela criança afirmou que, apesar de os pais serem cuidadosos e de o filho apresentar desenvolvimento neuropsicomotor adequado à idade, com quadros leves de infecções áreas superiores virais (gripes), sem maiores complicações, foi explicado e ressaltado a eles, em todas as consultas, a importância das vacinas ofertadas pelo Ministério da Saúde e quais as doenças elas previnem. “Ou seja, em momento algum [o pediatra] ratifica ou apoia a opção escolhida pelos requeridos e esclarece que acredita não se tratar de negligência, mas de opção filosófica”, diz a ação.
Após uma tentativa de acordo feita antes da proposição da ação, o casal compareceu à Promotoria e informou estar convicto em seu entendimento, e não iriam vacinar o filho mesmo após os dois anos. Para o membro do MPSP, contudo, a criança deve ser vacinada não apenas para evitar que ela corra o risco de adoecer e morrer, mas também para não permitir que ela se torne vetor de doenças, contaminando outras crianças ou pessoas, causando surtos que levem outros a adoecer e morrer.
Em primeira instância, a Justiça acatou os argumentos filosóficos do casal e julgou a ação improcedente. Inconformado, o MPSP recorreu e alegou, entre outros pontos, que é dever constitucional da família assegurar à criança seu direito à saúde. Assim, o direito à imunização é do infante e seus genitores o estão negligenciando de forma intencional (inclusive violando um dever imposto aos pais, decorrentes do poder familiar). Então, o Estado, personificado na pessoa do Magistrado, precisa, sim, corrigir a situação e garantir que [a criança] receba a imunização necessária”.
Enquanto os pais afirmaram entender que as vacinas têm efeitos colaterais e enfraquecem o sistema imunológico, a Promotoria esclareceu, com base em dados publicados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS), organismo internacional de saúde pública com um século de experiência, “as vacinas interagem com o sistema imunológico para produzir uma resposta imunológica semelhante àquela produzida pela infecção natural, mas não causam a doença ou colocam a pessoa imunizada em risco de possíveis complicações. Em contraste, há um preço a ser pago pela imunidade adquirida apenas por meio de uma infecção natural: deficiência intelectual oriunda do Haemophilus influenzae tipo b (Hib), defeitos congênitos da rubéola, câncer hepático provocado pelo vírus da hepatite B ou morte por sarampo”.
Além disso, as informações da OPAS/OMS dão conta que a maioria das reações às vacinas são geralmente pequenas e temporárias, como um braço dolorido ou uma febre ligeira, e que “é muito mais provável que uma pessoa adoeça gravemente por uma enfermidade evitável pela vacina do que pela própria vacina”.
Pela decisão do Tribunal de Justiça, caso os pais não cumpram a decisão, o Conselho Tutelar deverá realizar busca e apreensão da criança a fim de regularizar as vacinas.