O esquecimento sadio e o esquecimento patológico

No artigo de hoje, a neuropsicóloga Celina Vallim, conta que no consultório é muito comum ouvir pacientes adultos perguntando se um episódio de esquecimento que lhes ocorreu dias antes é normal ou, ao contrário, trata-se de um dos primeiros sintomas de uma doença mental que cedo ou tarde prejudicará drástica e fatalmente a memória. Confira.

Por: Dra. Celina Vallim
24/11/2022

Nos consultórios neurológicos é muito comum ouvir pacientes adultos perguntando se um episódio de esquecimento que lhes ocorreu dias antes é normal ou, ao contrário, trata-se de um dos primeiros sintomas de uma doença mental que cedo ou tarde prejudicará drástica e fatalmente a memória.

O processo de envelhecimento normalmente se caracteriza por certo grau de declínio natural de algumas funções cognitivas como a memória, as habilidades visoespaciais e a velocidade do processamento da informação. Mas nem toda memória afetada significa prelúdio de uma demência. A maioria das mudanças normais que ocorrem na memória em consequência do envelhecimento não interfere em nossas atividades diárias nem em nossa qualidade de vida. A perda de memória deve ser motivo de preocupação quando deixa de se manifestar em episódios isolados e se transforma num estorvo para nossas tarefas cotidianas, para a vida familiar e a atividade profissional.

Um fator essencial que devemos levar em conta para determinar se uma perda de memória é normal ou não é a frequência com que ocorrem os esquecimentos. Pode ser normal que a pessoa se esqueça de alguma consulta médica agendada semanas antes, mas se esquecer várias vezes de ir buscar o filho na escola não é. É importante levar em conta também que os problemas de memória costumam vir acompanhados de dificuldades de orientação no tempo e no espaço. Com certeza, acontece com todo mundo de vez em quando não saber o dia da semana ou a data, o que não é motivo para inquietação. O que se considera preocupante é esquecer o mês e o ano em que se está. Do mesmo modo, é normal errar o caminho quando se está indo pela primeira vez a um lugar desconhecido; no entanto, seria inquietante se a pessoa se desorientasse no bairro em que vive desde a infância,

Em pessoas que não apresentam um processo de desmemória patológico, os esquecimentos costumam abranger detalhes irrelevantes ou de pouca importância, e não a totalidade dos eventos que se pretende recordar. Isso significa, por exemplo, que tais pessoas não conseguem lembrar o nome de um ator ou de um sucesso específico dentro da trama do filme que foram ver num passado próximo, mas se recordam de que foram ao cinema e com quem. Também é normal que, à medida que avança a idade, as pessoas mais velhas precisem de mais tempo para se lembrar de certos eventos, mas, se lhes for dado o tempo necessário e elas não se sentirem pressionadas a dar uma resposta, seguramente podem se lembrar. No entanto, quando a perda de memória excede o tempo esperado, a informação se perdeu e não aparece por mais que se dê à pessoa mais tempo para lembrar.

Do mesmo modo, quando os problemas de memória não são sérios, os pacientes costumam ter consciência deles; queixam-se de seu transtorno de memória, mas os familiares ou acompanhantes não os consideram relevantes. Entretanto, quando o paciente não reconhece ou nega sua dificuldade com a memória, enquanto a família a nota e considera significativa, pode-se estar diante de um provável sinal de que os transtornos de memória são mais sérios.

Que medida se poderia estabelecer como justa para traçar a fronteira entre o que deve ser considerado normal e não normal no esquecimento? Como em muitas regras da vida, cada uma é a medida de si mesma. Isso quer dizer que a evidência mais importante de controle ou alarme a levar em conta para medir o grau de normalidade do esquecimento é dada pela regularidade ou de uma clara diminuição da memória presente comparada a como ela era alguns meses ou anos antes.

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