O Brasil é um dos países com maior índice de homicídios de mulheres, a quinta maior taxa de feminicídios do mundo, conforme dados da Organização Mundial da Saúde.
Essa realidade vem produzindo milhares de órfãos, vítimas indiretas e invisíveis da violência doméstica. O objetivo é lançar luzes sobre a situação dessas crianças e adolescentes que quase não aparecem nas pesquisas sobre o tema, mas que representam um grave problema social, que precisa ser enfrentado com políticas públicas que minimizem os efeitos do trauma e impeçam a transmissão da violência doméstica entre as gerações.
Segundo o estudo do FBSP, em 2021 o Brasil perdeu mais de mil e trezentas mulheres por crimes de feminicídio. A média é de mais de 25 casos por semana, ou pelo menos uma mulher morta a cada 8 horas. Outros dados ainda trazem recortes mais específicos deste crime bárbaro:
97,8% das vítimas foram mortas por um companheiro atual, antigo ou outro parente
66,7% das vítimas são mulheres negras
Mais de 70% das mulheres mortas tinham entre 18 e 44 anos, ou seja, idade reprodutiva
A partir da taxa de fecundidade do país, os pesquisadores chegaram a uma estimativa: o feminicídio deixou cerca de 2.300 órfãos no Brasil, só em 2021.
A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, acrescenta que o número real pode ser ainda maior:
“Esse número possivelmente deve crescer, porque algumas das investigações ainda estão em andamento, especialmente dos casos que aconteceram entre novembro e dezembro. Os inquéritos não foram concluídos e a gente trabalha essa estatística a partir dos boletins de ocorrência produzidos pelas polícias civis. Essa estatística ela vai ser retificada e esse número pode crescer,” explica.
Duas pessoas que estão nessa estatística são os irmãos Gabriel e Igor. Eles são filhos de Regiane Fernandes, mulher que foi morta a tiros em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em janeiro de 2020. Suetônio o é acusado pelo crime.
Ele e Regiane foram namorados por mais de um ano antes do crime, mas ela terminou o relacionamento, segundo pessoas próximas, por causa de ciúmes excessivos do namorado. Ele não aceitou o término.
Igor conta que soube da morte da mãe pela namorada, com quem dividiu o momento de luto. No entanto, o relacionamento amoroso acabou também em função disso:
Gabriel, por sua vez, resume o sentimento pela perda da mãe:
Você nunca vai ser a mesma pessoa depois do acontecido, você nunca… Às vezes você próprio não se reconhece com você mesmo.
Combate ao feminicídio
As políticas de combate à violência de gênero têm avançado no Brasil nos últimos anos, mas a assistência aos órfãos destes crimes ainda é limitada.
Maiara Camargo, diz que são poucos os recursos para o acompanhamento das crianças e jovens: “Nós não temos núcleos para atendimento desses jovens, dessas crianças que são órfãos do feminicídio. Quem acaba fazendo esse atendimento são centros de referência da mulher em situação de violência e o centro de referência em assistência Social, mas o ideal é que essas crianças tenham um espaço para falar da dor,” conta.
O feminicídio, para além de todas essas consequências, transforma aquela criança em uma órfã destroçada pela violência no seu lar. E, depois disso, ela não tem a proteção de nenhuma política de acolhimento, encaminhamento e reparação.
Apesar do descaso do governo federal, alguns projetos pontuais têm sido referência no tema, como o projeto Órfãos do Feminicídio, da Defensoria Pública do estado do Amazonas, coordenado pela defensora pública Pollyana Souza Vieira, e a Rede Acolhe, da Defensoria Pública do estado do Ceará. Ambas oferecem assistência aos familiares das vítimas de feminicídio. Iniciativas como essas deveriam ser expandidas com o apoio dos governos e da sociedade civil.
“É cruel pensar nisso, mas é verdade, porque, quando acaba o processo na Justiça, a denúncia na delegacia, o assassino vai preso e pronto! Está resolvido o problema para o Estado. Só que ninguém verifica o que está por trás disso, as implicações que essa violência vai causar para os seres humanos que sobreviveram àquilo tudo, e eles ficam totalmente invisíveis.”
No âmbito federal, 11 projetos de lei com propostas para oferecer assistência focada em órfãos de feminicídio tramitam na câmara dos deputados. Um dos objetivos, segundo o texto, é “garantir direitos e assistência integral (…) aos órfãos de feminicídio.”
“Falta um olhar para essas ‘vítimas ocultas’”. “Sim, elas ainda são invisíveis, a gente ainda tem muito que avançar nesse sentido.”
Fonte:
https://www.geledes.org.br/orfaos-do-feminicidio-vivem-um-tipo-de-violencia-ainda-pouco-discutida-no-brasil/?gclid=Cj0KCQjw2MWVBhCQARIsAIjbwoPTLrEsGWzg_QTzuHplw8b7VD8UvQvVey_jq_MpF02FpmpTJlQbHGMaAiRvEALw_wcB
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