* Sérgio Ciquera Rossi
A Lei nº 14.133, de 1º de abril 2021, trouxe diversas alterações na regência das contratações públicas. Além da alteração de valores para dispensa de licitação (artigo 75, I e II – quantias já atualizadas por Decreto), da possibilidade de que contratos de serviços e fornecimentos contínuos possam ter a vigência decenal (artigo 107) e de previsão principiológica mais robusta (artigo 5º), houve – dentre outras mudanças – o alinhamento, no artigo 28, das seguintes modalidades licitatórias: Pregão, Concorrência, Concurso, Leilão e Diálogo Competitivo.
É induvidoso que, nas atividades cotidianas da Administração, os certames acabarão se concentrando nas modalidades Pregão e Concorrência, as quais, segundo o artigo 29 do diploma, “seguem o rito procedimental comum” a que se refere o artigo 17 da Lei, “adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”. Tal se dará especialmente pela extinção das modalidades Convite e Tomada de Preços.
Cabe consignar que o Convite, quando de sua criação, foi de grande valia, permitindo maior celeridade – e alguma maleabilidade – para as contratações públicas. No entanto, com o passar do tempo, esses salutares objetivos restaram desconfigurados ou mesmo deteriorados, em razão de ter sido constatada, não poucas vezes, a viciosa repetição de convite – indício evidente de fracionamento do certame licitatório. Como agravante, diversos eram os “acréscimos” de procedimentos contrários à lisura da disputa, com a repetição de vencedores e de encaminhamento de convites a empresas estranhas ao objeto pretendido.
Diante desse panorama, forçoso concluir, como dito acima, que o Pregão e a Concorrência serão preferencialmente escolhidos para atender às necessidades da Administração. Nessa toada, mister se faz rememorar que a definição da modalidade do certame deixou de observar o valor estimado da contratação – outra novidade trazida pela Lei n. 14.133/2021 – estando agora relacionada ao objeto pretendido.
Nesse contexto, registre-se que o Pregão, de acordo com o parágrafo único do artigo 29 da nova Lei, somente não se aplica “às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea “a” do inciso XXI, do caput do artigo 6º[..]”. Tal alínea trata justamente da definição de serviço comum de engenharia, definindo-o como aquele que “tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens”. Ou seja, houve a previsão expressa de que os serviços comuns de engenharia são uma exceção a tal regra.
Conclui-se, assim, que o Pregão abriga compras e serviços comuns, inclusive os de engenharia.
Feitas tais considerações, é importante realizar igualmente uma breve reflexão em relação às compras. Consoante redação contida no artigo 40, inciso II, as compras terão “processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente”. Noutros termos, estabeleceu-se ali que o sistema de registro de preços não se aplica a toda e qualquer compra, mas sempre em razão da “expectativa de consumo anual” – de acordo com o caput do mesmo artigo.
Assim, depreende-se que o sistema de registro de preços deverá, sempre, ser utilizado para compras que se farão necessárias ao longo do exercício. Relembre-se que o artigo 84, ao estabelecer o prazo de vigência da Ata de Registro de Preços, delimita que sua vigência será de 1 (um) ano, passível de prorrogação por mais 1 (um) ano. Por óbvio que tal prorrogação deve ser feita somente após a demonstração efetiva de vantajosidade para a Administração, decorrente da aferição da compatibilidade dos preços registrados com aqueles praticados pelo mercado correlato.
Sem embargo, faz-se importante destacar que esse instituto representa instrumento que, calcado nos ditames procedimentais previsto pela norma, permitirá a repetição de compras sem que isso caracterize fracionamento de certame. Um bom exemplo é a compra de carne para a alimentação escolar, que poderá ser realizada inclusive diariamente, sem que isso represente qualquer ofensa à Lei.
E a norma franqueou ainda outros caminhos para o gestor. Como dito, o sistema de registro de preços acaba por evitar a repetição de certame para aquisição de mesmo objeto, devendo-se sempre observar as disposições do artigo 82. Em seguida, o legislador previu, no artigo 86, a possibilidade de entes aderirem ao registro realizado por órgãos ou entidades diversas – prática que, na linguagem corriqueira, é denominada carona. Ficará a cargo da entidade aderente a solicitação para participação e, em momento oportuno, o empenhamento e pagamento daquilo que lhe for fornecido. Isso evita – com toda segurança – que haja o cometimento de equívocos na realização do certame, eis que todo o procedimento fica a cargo da entidade gerenciadora.
Muito mais poderia ser dito, todavia, considero que as razões alinhadas demonstram a conveniência do sistema de registro de preços. Vale anotar, por fim, que o registro de preços não é modalidade licitatória, mas instrumento auxiliar, como prevê expressamente o artigo 78, inciso IV, da Lei 14.133/2021. A adoção dessa sistemática, portanto, resultará na eficácia e eficiência do gasto público.
*Sérgio Ciquera Rossi é Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)