O Tribunal de Justiça de São Paulo em decisão proferida em 27 de maio de 2020 na apelação cível n. 2251560-02.2019.8.26.0000, na qual figura como autor o Prefeito Municipal de Artur Nogueira e réu o Presidente da Câmara Municipal de Artur Nogueira, sendo que em análise por aquela Corte de Justiça, encontravam-se em discussão três leis, a saber :
a-) Lei Orgânica do Município de Artur Nogueira que dispõe : “art. 32, inciso VI, e art. 111, § 2º, item 1” (fls. 36 e 64): “Artigo 32 Compete à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município e, especialmente:
(…)
VI autorizar a concessão de serviços públicos;”; e
“Artigo 111 Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre mediante processo licitatório, a prestação de serviços públicos.
(…)
- 2º – A concessão de serviço público, estabelecida mediante contrato, dependerá de:
1 autorização legislativa;”
b-) Lei Complementar Municipal nº 585, de 23 de dezembro de 2014, que “autoriza o Poder Executivo Municipal a delegar, na forma da Lei Federal nº 8.987/95, a exploração dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, e dá outras providências”, que estabelece :
“Art. 1º. Fica o Poder Executivo, na qualidade de titular dos serviços públicos de saneamento básico, em observância ao quanto disposto no artigo 175 da Constituição Federal, e nos termos da Lei Federal nº 11.445, de 05 de Janeiro de 2007, autorizado a delegar, total ou parcialmente, mediante prévio procedimento licitatório, a exploração dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, precedidos ou não de obra pública, na forma da Lei Federal nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, observado o disposto nesta Lei.
c-) Lei Complementar nº 638, de 16 de dezembro de 2019, do Município de Artur Nogueira, que “dispõe sobre a revogação total da Lei Complementar nº 585, de 23 de dezembro de 2014” (fls. 693), estabelecendo:
“Art. 1º. Fica revogada, em sua totalidade, a Lei Complementar nº 585, de 23 de dezembro de 2014.
“Art. 2º. Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação.
“Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário”.
O Tribunal de Justiça considerou, no entanto, que, é da exclusiva competência do Poder Executivo a decisão quanto à celebração de contratos de concessão ou permissão de serviços públicos, sendo totalmente desnecessária autorização legislativa.
Assim sendo, a concessão da SAEAN independe de prévia autorização legislativa para sua licitação, portanto, a Câmara Municipal usurpou do Poder Executivo, iniciativa legislativa, violando o princípio da separação dos poderes e da reserva de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 47, II, XIV e XVIII, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da C. Estadual ):
No acórdão o Desembargador Relator, JOÃO CARLOS SALETTI, afirmou: “É dizer, a celebração ou não de concessões ou permissões de serviços públicos é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Desse modo, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da Administração.
E ainda rematou o Desembargador: “Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade quanto à eventual realização de contratos, convênios ou acordos em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder. “
Sendo que na parte dispositiva da apelação constou expressamente :
“Dessa forma, os dispositivos impugnados constantes da Lei Orgânica Municipal de Artur Nogueira são inconstitucionais por ofenderem os arts. 5º e 47, II, XIV e XVIII, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta”. Tanto basta para decretar a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 32 e o item 1 do § 2º do art. 111 da Lei Orgânica do Município de Artur Nogueira, por ofensa aos arts. 5º, caput, § 1º, e 47, II, XIV e XVIII, da Constituição do Estado.
“ Ante o exposto, julgo procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 32, e do item 1 do § 2º do art. 111, da Lei Orgânica do Município de Artur Nogueira, assim como julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, no que diz respeito às Leis Complementares nº 585/2014 e 638/2019, do mesmo Município.
De modo que, resumidamente, a Câmara Municipal não pode usurpar função atribuída exclusivamente ao Poder Executivo ao legislar sobre a concessão da Saean, a caracterizar vício flagrante de iniciativa, o que ocorreu no caso acima exposto, tendo havido neste caso a quebra de harmonia e independência de Poderes.