Combater a violência contra crianças e adolescentes não é nada fácil! A violência doméstica infantil assim como os crimes de abuso sexual infantil vão muito além das marcas no corpo e dos números, pois os impactos destas violências quando não concretizados da pior maneira como com o óbito ou com o estupro da vítima, além das marcas ocasionam danos psicológicos para a criança e desencadeiam consequências devastadoras a longo e curto prazo, depressão, fobias, estresse pós-traumático, transtorno obsessivo compulsivo, automutilação, podendo chegar a tentativas de suicídio ou até mesmo o suicídio. Um dos maiores problemas e obstáculos ligados a estes crimes cometidos contra menores (tanto de violência doméstica quanto sexual) é sem dúvidas a subnotificação dos casos: somente uma mínima parte chegam a ser denunciada e infelizmente em muitos dos casos as mesmas autoridades tomam conhecimento dos fatos somente quando as consequências das agressões chegam ao ponto extremo: ao óbito. Parem para pensar sobre a realidade daquelas crianças e adolescentes que sofrem violência doméstica e abuso sexual ao mesmo tempo, e tudo isso dentro do próprio lar!
Quais são os estágios das agressões?
Nos primeiros estágios da agressão, nem sempre é fácil reconhecer as características da violência, pois o agressor pode se utilizar, inicialmente, de táticas de coerção, abuso emocional e psicológico para controlar a própria vítima . Muitas vezes, o controle sobre a criança e o adolescente se dá com a desculpa de boas intenções, de carinho ou como meio de educação (por exemplo, com o uso de palmadas como forma de “educar”). Este é um aspecto que pode tornar muito sutil o limite entre o que é ou não violência. Para o agressor, a necessidade de manter o controle sobre a criança e o adolescente através da violência é crescente, podendo desencadear um incidente agudo, geralmente de agressão física, que pode ser avaliado por outras pessoas como fato isolado, se não forem considerados os antecedentes que não provocaram lesões ou sequelas físicas. Os agressores, na maioria das vezes, são os próprios pais ou responsáveis pela criança ou adolescente e este fato está diretamente relacionado ao tipo de vínculo que os membros da família estabelecem entre si.
Quais são as principais consequências da violência doméstica contra menores?
Além das possíveis sequelas físicas e até, em casos extremos, da morte da criança ou adolescente, esse tipo de violência também pode levar a sérias consequências psicológicas e sociais. Nesse período da vida, o indivíduo encontra-se em fase de formação de personalidade e de entendimento do sentido de família e proteção; espelha-se nos modelos adultos que lhe são oferecidos e organiza os conceitos morais que carregará para o resto da vida. A violência sofrida durante a infância e adolescência, pode desestruturar a base de formação física e psíquica da pessoa e toda a valorização de si mesma e dos outros, além de comprometer a formação da afetividade, personalidade e de valores.
Maus tratos psicológicos e negligência estão entre as mais frequentes formas de violência doméstica contra menores. Quais são as características principais destas 2 formas de violência?
Os maus-tratos psicológicos correspondem a toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança ou punição exageradas e utilização da criança ou do adolescente para atender às necessidades psíquicas dos adultos Negligência é uma das formas de violência mais frequente, pois representa o ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento físico, emocional e social. O abandono é considerado como uma forma extrema de negligência. Pode caracterizar-se pela omissão de cuidados básicos como a privação de medicamentos, falta de atendimento aos cuidados necessários com a saúde, descuido com a higiene, ausência de proteção contra as condições adversas do meio ambiente (como frio ou calor), não provimento de estímulos e de condições para a frequência à escola. A negligência emocional compreende a deterioração do ambiente interpessoal do lar e induz aspectos negativos na criança em relação a senso de segurança física e emocional, aceitação, autoestima, consideração e autonomia.
Detalhes e características gerais sobre o Modus Operandi do pedófilo/abusador
Sobre o Pedófilo/Abusador posso dizer que existe um denominador comum entre estes criminosos sexuais: primeiramente são pessoas acima de qualquer suspeita. Em todo este tempo de profissão na área de Investigação e Análise de crimes ligados à Pedofilia como Abuso Sexual, Exploração Sexual de Menores, Cyberpedofilia, em vários casos foram detectados “meios” e “técnicas” de aproximação ás crianças que são comum entre os pedófilos. Normalmente estes criminosos se aproximam de crianças, convivem com crianças e neste convívio escolhem as vítimas e ao pouco vão estabelecendo uma “progressão” tanto no contato verbal, quanto, posteriormente naquele físico. Vale ressaltar que isso acontece também na Internet, pois não existe diferença entre o pedófilo que age na Internet e aquele que age fora dela: o objetivo é o mesmo.
Muitos destes pedófilos/abusadores possuem “técnicas” próprias para chegar a concretizar os abusos. Por exemplo, brincam com a criança, tocam no corpinho dela em partes consideradas “permitidas” e “fora de qualquer suspeita” na frente de adultos, para depois (de maneira progressiva) intensificar a tipologia e frequência dos contatos, dos toques, criando uma maior intimidade, ganhando a confiança da criança até chegar à concretização do abuso ou estupro. Estes são somente alguns dos inúmeros motivos pelo qual eu pessoalmente continuo afirmando que o pedófilo não passa por nenhum tipo de alienação mental e por este motivo, pelo próprio modus operandi não pode ser considerado como “doente” pois ele tem plena consciência daquilo que faz. Todas estas dinâmicas que começam pela escolha da vítima e que vão até a concretização dos seus atos, são a prova concreta de que o pedófilo além de não ser doente, não “age por fortes impulsos” como (infelizmente) muitas pessoas afirmam e pensam. A nossa sociedade infelizmente muitas vezes cria um “padrão” de perfil do abusador sexual de criança e do pedófilo: além do fato que não existe um “padrão”, é preciso entender que o homem (pois na maioria dos casos os abusadores são homens) que pratica abusos e estupros de crianças é uma pessoa acima de qualquer suspeita: esta é a característica que a maioria deles têm em comum. Lembrando que o crime de abuso sexual infantil tem raízes em todas as camadas da nossa sociedade, em todas as classes sociais, raças, religiões, profissões e sexo.
A omissão e a dificuldade da obtenção de provas nos crimes de abuso sexual infantil
O crime de abuso sexual contra crianças acontece em um contexto de “intimidade” e clandestinidade, onde se criam dinâmicas específicas, e acaba por ser um crime oculto sem grande visibilidade. Esta “clandestinidade” do abuso sexual vem trazendo algumas dificuldades no decorrer da investigação criminal ligadas principalmente à produção de provas. Devido à dinâmica tipicamente oculta e secreta deste tipo de crime, apenas a vítima e o agressor tem conhecimento dos fatos e, na maioria das vezes, não existem vestígios físicos ou biológicos, ou sequer evidências de ocorrência de abuso, que o exame médico-legal possa indicar (restando o testemunho da criança como o único meio de prova no qual se pode aferir a verdade material).É importante lembrar que o abuso sexual contra criança, geralmente é praticado por pessoas próximas a ela e tende muitas vezes a omitir-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela por exemplo a violência sofrida e seu sofrimento por medo, por sensação de culpa ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar. As dificuldades durante os procedimentos investigativos e periciais são muitas, tanto na produção de provas, quanto por causa do preconceito e dos “mitos” que existem ao redor do crime de abuso sexual. Existem Infelizmente pessoas (e inclusive profissionais) que continuam afirmando e acreditando no fato que o abuso em uma criança acontece somente quando o laudo é “positivo”: além de ser totalmente inverídico isso representa mais um MITO criado por pessoas sem conhecimentos práticos da área pericial e investigativa de crimes de abuso sexual infantil.
Temos casos recentes, de violência extrema contra crianças e a maioria destes casos acabaram com a morte. Uma breve análise sobre estes casos
Vou começar com o caso do menino Henry e de uma outra vítima do ex-vereador Jairinho, pois estou colaborando em apoio aos advogados de Leniel Borel (pai do menino Henry), o Dr Leonardo Barreto e o Dr Ailton Barros.
O caso da morte do menino Henry Borel de 4 anos chocou o mundo inteiro: esta criança foi vítima de um crime bárbaro ! O assassino de Henry é o ex-vereador Jairinho que era o padrasto da criança vítima, mas a omissão da mãe da criança é criminalmente relevante neste fato pois sua atitude faz com que ela responda ao inquérito como se estivesse praticado as torturas. A causa da morte do menino Henry foi hemorragia interna por laceração hepática devida a ação contundente ou seja: houve morte por espancamento. Vale ressaltar que lesões hepáticas com hemorragia maciça podem levar ao falecimento da vítima em poucos minutos: isso só para todos terem a mínima ideia do tamanho da violência que o menino Henry sofreu. A multiplicidade de lesões que Henry Borel sofreu são compatíveis com diversas dispersões de energia (ou seja a força nos golpes) que atingiram a criança. Antes do menino Henry outras crianças filhas de ex companheiras do Jairinho foram vítimas de agressões e torturas. Tudo isso comprova a reincidência tanto no comportamento agressivo quanto no modus operandi do Jairinho.
Também é indiciado por tortura majorada contra a filha de uma ex namorada e também é investigado ainda em outro inquérito em que teria agredido um menino. O depoimento da menina que foi torturada pelo Jairinho (e que na época dos fatos tinha 4 anos) é bem esclarecedor e comprova mais ainda o fato que ele usava técnicas de torturas para que ele batesse e fizesse as crianças sofrerem sem deixar marcas.
Um outro caso dramático, sempre no RJ, que aconteceu logo após a morte do menino Henry Borel foi o da menina Ketelen Vitória da Rocha, de 6 anos, que não resistiu às graves lesões provocadas pela mãe e a companheira da mãe. Ketelen levou socos e chutes, sua cabeça foi batida numa parede e ela chegou a ser jogada do alto de um barranco de 7 metros; tudo isso porque bebeu um copo de leite sem pedir autorização. A covardia que pôs fim à vida da menina não foi um fato isolado nem recente pois esta criatura passou por muito tempo subnutrida, dormindo em um colchão velho no chão e sem ir à escola. Esta menina era humilhada e obrigada a fazer serviços e apanhava constantemente Apesar disso a própria mãe ficava expondo a criança nas redes sociais dizendo que era uma criança feliz e dedicando frases de amor para a menina.
Outros 2 casos recentes são aqueles em que uma mulher foi presa na zona norte do Rio de Janeiro por torturas e maus tratos contra o próprio filho: uma criança de 3 anos. O menino era torturado fisicamente e psicologicamente e ficou internado pelos ferimentos e pelo estado de desnutrição e desidratação. Inclusive existem indícios sobre o fato que até a mãe da mulher (avó da criança) sofreu agressões e torturas. E chegamos ao mais recente e dramático: a morte do menino Gael, 3 anos, em São Paulo. A mãe do menino foi indiciada por homicídio qualificado. O corpo da criança apresentava vários ferimentos e documentos do IML que foram encaminhados à polícia indicam marcas de agressão na região da testa do menino compatíveis com o formato do anel apreendido.
Infelizmente esta é a triste realidade das nossas crianças e adolescentes que continua sendo a parte mais vulnerável da nossa sociedade principalmente dentro do próprio lar onde deveria estar protegidas e tuteladas. É importante que toda sociedade entenda que muitas vezes as crianças e adolescentes vitimas de violência domestica ou abuso sexual não relatam os fatos não porque eles não querem, mas simplesmente por medo (pois muitas são ameaçadas) por senso de culpa, por vergonha de relatar os fatos (especialmente nos casos de abuso sexual), por medo de serem desacreditadas e ao mesmo tempo por fortes bloqueios emocionais que se tornam uma verdadeira barreira entre a vontade e o ato de revelar as violências sofridas. Por este motivo é preciso tomar cuidado antes de julgar uma vitima de violência doméstica, pois por trás de um silêncio existe uma dor sem fim.
Um agradecimento especial aos Advogados Dr Leonardo Barreto e ao Dr Ailton Barros, por serem excelentes profissionais e pessoas de grandes valores humanos, princípios, empatia e pela grande dedicação e profissionalismo nesta incansável luta no caso do menino Henry. Agradeço de coração também pela confiança no meu trabalho e pela oportunidade de crescimento profissional por estar ao lado de vocês. Grato a Leniel Borel pela amizade e por ter se tornado um grande exemplo de força para todos nós que lutamos em prol das nossas crianças e adolescentes.
RILDO SILVEIRA – Perito em Crimes contra Crianças e Adolescentes e Violência Doméstica do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) – Perito da JFRJ – Justiça Federal / Seção Judiciária do RJ – Perito do MPSC – Ministério Público de Santa Catarina – Presidente da Comissão de Defesa da Criança e Adolescente na Internet da APECOF – Membro Oficial do IBECRIMA-Instituto Iberoamericano de Criminologia Aplicada (Espanha) – Membro Oficial da APC-Associação Portuguesa de Criminologia – Instrutor do CSI-BRASIL.
ÁREAS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL (Perito e Assistente Técnico na Área Criminal pela Justiça Estadual e Federal)
Perícia e Análise de Crimes de Abuso Sexual Infantil – Estupro de Vulnerável – Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes – Produção de Provas em Inquéritos Policiais – Análise e Estudos Criminológicos do comportamento.
Grau Acadêmico: Mestrado em Psicanálise Clinica – Mestrado em Sexologia – Pós Graduação em Criminologia – Pós Graduação em Análise Criminal – Pós Graduação em Perícia Social e Psicossocial no Campo Sociojurídico.