A invisibilidade da violência contra deficientes é um tipo de crime que envolve a sociedade do mundo inteiro pois existem dados assustadores sobre os números e as tipologias de violências contra crianças com deficiências.
Além dos fatores estruturais que favorecem o fenômeno da violência numa sociedade, como as desigualdades econômicas, sociais e culturais, o autoritarismo, a corrupção e os valores banalizados por preconceitos e discriminações, são também fatores de risco que incidem na caracterização de situações de violência, vinculadas a relações de poder que configuram desigualdade e relações de dependência entre as pessoas, como nos casos que envolvem atos contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
“O que mais vejo e que me preocupa muito, é que a falta de conhecimento sobre a realidade das pessoas com deficiência e sobre as características da violência praticada contra essas pessoas muitas vezes impede que os agentes públicos de todas as áreas exerçam seu papel tanto na identificação, quanto na prevenção, atendimento e encaminhamento das vítimas”, explica o Perito Rildo Silveira.
Em tudo isso, o preconceito, as dificuldades de comunicação e a falta de capacitação integram esta delicada equação.
Rildo fala que nem sempre as vítimas são levadas a sério. “Mostro como exemplo depoimentos de violência feitos por pessoas com deficiência podem não ser levados tão a sério por vários motivos, e a mais comum é o preconceito, que faz com que muitos as vejam como seres infantilizados, incapazes de entender o mundo e os fatos à sua volta”.
Prestando atenção nos dados do Atlas da violência vamos ver que existem uma multidão de crimes que tem como vítimas pessoas com deficiências (especialmente crianças). Pessoas com deficiência intelectual, são sete vezes mais atacadas sexualmente do que pessoas sem deficiência e representa um tipo de crime que muitas vezes além de não ser denunciado segue impune. Uma das explicações para isso é que pessoas com deficiência intelectual “precisam” confiar em outras pessoas e por este motivo são mais vulneráveis.
“O risco dessa visão é suprimir a cidadania do indivíduo, dando mais valor ao relato de um familiar ou acompanhante do que ao da própria pessoa. Esta postura equivocada é ainda mais frequente quando se trata de pessoa com deficiência intelectual, pois é comum que muitas pessoas pensem que sejam desprovidos de racionalidade, vivendo em um mundo cheio de fantasias. Por conta desses mitos, várias vezes seus relatos e necessidades são simplesmente ignorados. Omitir um relato ou depoimento de uma pessoa com qualquer tipo de deficiência além de ser um ato covarde pode levar a impunidade de uma possível violência sofrida pela pessoa com deficiência que em muitos casos sofre também o abandono”, explica Rildo.
As crianças por exemplo surdas, cegas, autistas, com deficiências psicossociais ou intelectuais são mais vulneráveis à violência sexual e temos vários casos como exemplos. Estudos e pesquisas de vários especialistas internacionais descobriram que essas crianças têm 5 vezes mais chances de serem abusadas do que outras e são muito mais vulneráveis ao bullying que como todos sabem é uma pratica muito comum principalmente entre os adolescentes.
Crianças com deficiência têm quase 4 vezes mais probabilidade de se tornarem vítimas de violência sexual do que crianças sem deficiência, sendo que as meninas são aquelas que correm os maiores riscos. A violência contra meninas com deficiência pode assumir muitas formas, pois elas estão expostas a um amplo risco de violência que é perpetrada tanto pelos pais, quanto até por educadores, prestadores de serviços, colegas e outros.
Como já diz, esta violência pode ser tanto em forma de bullying na escola, através de castigo físico por parte dos cuidadores, e também abuso sexual.
No Brasil, a violência sexual contra deficientes atinge 10% do total de casos de estupro. É importantíssimo evidenciar que o Atlas da Violência 2018, desenvolvido pelo IPEA, indicou que em mais do 10% de todos os casos de estupro apurados, as vítimas tinham alguma deficiência (na maioria dos casos a vítima tinha deficiência mental e outras possuíam transtorno mental).
Um outro dado chocante é que, entre os casos de estupro coletivo, mais do 10% foram cometidos contra vítimas que têm algum tipo de deficiência. No Brasil, o estupro é ainda um crime não sempre notificado às autoridades pelos motivos que todos nós sabemos: medo das vítimas, bloqueios emocionais devidos aos traumas sofridos, vergonha e medo de ser julgadas pela sociedade.
O Atlas usa como base os números de órgãos de saúde, e calcula que o número real de estupros no Brasil gire entre 300 a 500 mil casos ao ano. O fato que mais me preocupa em tudo isso é o fato a dificuldade para acompanhar o caso tende a aumentar quando a vítima possui algum tipo de deficiência.
Outro lado triste é que muitas vezes, a violência contra a pessoa com deficiência, especialmente mental é descoberta só na gravidez, pois é uma tipologia de violência que podemos definir silenciosa e sendo assim as vítimas podem crescer até sem entender a diferença entre comportamentos sexuais apropriados e inapropriados.
Não é por acaso que o Atlas da violência indica que as violências costumam ser reincidentes: em muitos casos de pessoas com deficiência mental estupradas foi constatado que mais da metade das vítimas foram violentadas mais de uma vez.
Rildo fala de outra realidade muito triste que pode acontecer, “é a possibilidade frequente de serem desacreditas e, até mesmo, não receberem atendimento psicológico apropriado. Infelizmente vivemos numa sociedade omissa, obsoleta e hipócrita onde possuir alguma deficiência aumenta a chance de sofrer violência, não só sexual, mas também, verbal, emocional, física e financeira além de outros tipos de humilhações. Estas não são palavras, e sim são fatos”, explica o perito.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é, entre outras, a principal referência legal, uma vez que foi incorporada à legislação brasileira em 2008 e ratificada com equivalência de emenda constitucional, nos termos previstos no Artigo 5º, § 3º da Constituição brasileira.
Embora todos os seus artigos abordem aspectos relacionados aos direitos e à dignidade das pessoas com deficiência, é em seu artigo 16 que trata diretamente da Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso, estabelecendo que: 1. Os Estados Parte deverão tomar todas as medidas apropriadas de natureza legislativa, administrativa, social, educacional e outras para proteger as pessoas com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas de exploração, violência e abuso, incluindo aspectos de gênero. 2. Os Estados Parte deverão também tomar todas as medidas apropriadas para prevenir todas as formas de exploração, violência e abuso, assegurando, entre outras coisas, formas apropriadas de atendimento e apoio que levem em conta o gênero e a idade das pessoas com deficiência e de seus familiares e atendentes, inclusive mediante a provisão de informação e educação sobre a maneira de evitar, reconhecer e denunciar casos de exploração, violência e abuso. Os Estados Parte deverão assegurar que os serviços de proteção levem em conta a idade, o gênero e a deficiência das pessoas. 3. A fim de prevenir a ocorrência de quaisquer formas de exploração, violência e abuso, os Estados Parte deverão assegurar que todos os programas e instalações destinados a atender pessoas com deficiência sejam efetivamente monitorados por autoridades independentes. 4. Os Estados Parte deverão tomar todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, cognitiva e psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social de pessoas com deficiência que forem vítimas de qualquer forma de exploração, violência ou abuso. Tal recuperação e reinserção deverão ocorrer em ambientes que promovam a saúde, o bem-estar, o auto respeito, a dignidade e a autonomia da pessoa e levem em consideração as necessidades de gênero e idade. 5. Os Estados Parte deverão adotar efetivas leis e políticas, inclusive legislação e políticas voltadas para mulheres e crianças, a fim de assegurar que os casos de exploração, violência e abuso contra pessoas com deficiência sejam identificados, investigados e, se couber, processados.
Rildo finaliza agradecendo, “Agradeço a Doutora Paula Mary, Delegada Chefe de Polícia Federal, grande exemplo e principal referência no combate aos crimes de pedofilia e exploração sexual infantil e ao Comissário de Policia Civil Doutor Daniel Gomes da (DGHPP) cuja presença e experiência se tornaram fundamentais em muitos casos analisados pelo constante apoio”.
Quem é Rildo Silveira?
Perito Judicial e Analista Criminal registrado no Serviço de Perícias Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do RJ – Cadastrado no registro de Peritos judiciais da AJG (Justiça Federal), Unidade Responsável: 32a Vara Federal do RJ – Área de atuação Profissional como Perito/Auxiliar de Justiça: Perícia e Análise de crimes de Pedofilia, Exploração e Abuso Sexual Infantil – Violência Doméstica. Perito em Computação Forense e Perícia Digital da APECOF (Associação dos Peritos em Computação Forense) – https://www.apecof.org.br/index.php/associados Analista em Segurança da Informação formado pelo E-Security / Cybersecurity e afiliado a ASEGI – Associação Brasileira de Profissionais e Empresas de Segurança da Informação e Defesa Cibernética