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Entenda como o cérebro funciona no TDAH

Confira o artigo da neuropsicóloga Celina Vallim!

Por: Dra. Celina Vallim
14/07/2022

O comportamento humano é resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais. Somos resultado, na concepção, de nossos progenitores e, ao nascer, além do forte componente genético, já sofremos alguma influência do ambiente. Nascemos com genes herdados de nossos pais, 50% de cada um, para vários aspectos do nosso corpo, inclusive em relação ao comportamento e demais aspectos cognitivos.

Em conjunto com os genes, o ambiente desempenha papel de igual importância. Fatores externos ligados não só ao espaço, mas a todo o contexto em que vivemos, modificam, até certo ponto, a expressão dos genes que fazem parte do desenvolvimento de expressões em nossos comportamentos. Isso é essencial para nos manifestarmos plenamente na vida executiva, social e em atividades que envolvem também nossas emoções. O resultado desse processo, que está em constante construção durante os anos de neurodesenvolvimento, é o amadurecimento das áreas cerebrais responsáveis pela capacidade de autocontrole emocional e cognitivo, o que faz com que se cumpra bem, com equilíbrio e exímia performance motora e espacial, uma determinada tarefa.

As nossas atitudes, a forma como respondemos ao comportamento dos outros, as maneiras como cumprimos nossas tarefas e obrigações e regulamos nosso temperamento para encarar desafios ou frustrações dependem, dentro do cérebro, do equilíbrio entre nossas funções executivas “frias” e “quentes” ou, ainda, de controles que administram, em um sistema de pesos e contrapesos, nossa autorregulação emocional e cognitiva. Mas o que eles significam e quais fatores cerebrais participam deles?

Funções executivas “frias” são as responsáveis por exercer, nas atividades da vida, controle sobre aspectos cognitivos que modulam a parte racional de como cumprimos tarefas e respondemos às demandas exigidas pelo ambiente. As “quentes”, por sua vez, são aquelas que modulam a parte emocional, temperamental e afetiva incluídas e embutidas no cumprimento das atividades. Ambas, somadas e interconectadas, exercem controle atencional em diversos âmbitos da vida, como finalizar tarefas, perceber erros e imperfeições; flexibilidade cognitiva ao mudar e alternar estratégias, perseverar com humor estável em atividades sem recompensa e usar componentes emocionais positivos ou negativos à escolha durante performances diversas; no estabelecimento de objetivos, em questões como planejamento, desorganização e resolução de problemas; no processamento otimizado de informações ao indicar a velocidade de responder a um desafio ou comando, fazer uma reflexão, intercambiar uma atividade com outra; e também na tomada de decisões a partir do autocontrole motor, autoengajamento/esforço mental para as tarefas e determinar o desempenho.

O equilíbrio e a manutenção desse sistema conjugado “frio” e “quente” requer três fatores do cérebro que, em rede, permitem sua funcionalidade:

1. Quantidade ideal de dopamina e noradrenalina nas vias que os unem;

2. Integridade das conexões que se coadunam de cima para baixo (e vice-versa) no cérebro;

3. Grau de maturidade das áreas e vias neuronais responsáveis pela arquitetura do sistema cerebral.

Toda essa estrutura e engenharia resulta, de novo, de processos que dependem tanto de herança genética quanto de fatores ambientais. Se algo de errado acontecer, teremos um sistema que não vai funcionar bem, o que pode resultar em um transtorno. E aí que entra o TDAH.

As pesquisas neurocientíficas e as evidências neuropsicológicas aplicadas ao TDAH têm a premissa de que ele resulta de três problemas:

1. Déficit de dopamina e noradrenalina nas vias que envolvem a transição entre as áreas “frias” e “quentes”;

2. Perda de ativação e pouco recrutamento de áreas cerebrais frontais e na intersecção entre áreas frontoestriatais (lobo frontal);

3. Atraso maturacional de dois a cinco anos no desenvolvimento de áreas frontais quando comparado ao desenvolvimento de crianças típicas.

Essas alterações geram um desbalanço entre as áreas frias e quentes das funções executivas e leva a pessoa com TDAH a não conseguir cumprir tarefas com performance suficiente nem de realizá-las de acordo com as demandas e esforço exigido tanto para tarefas estruturadas quanto nas que há envolvimento emocional.

Funcionalmente falando, a pessoa com TDAH, quando se depara com tarefas ou ações do cotidiano, não consegue ativar regiões cognitivas e emocionais suficientes para a performance mínima esperada, o que resulta em fracasso ou rendimento inferior. Quando inicia ou tem que perseverar em uma tarefa chata, ela tem que “aumentar” a dopamina para o esforço mental “aparecer”, mas não consegue. Ao cumprir uma tarefa que foi imposta ou exigida, não tem dopamina nem conexões suficientes para controlar bem o humor e persistir observando todos os detalhes envolvidos.

Tudo isso leva aos sintomas comportamentais de TDAH, que podem ocorrer simultaneamente nas crianças ou em momentos e graus variados, algo que varia de criança para criança e pode persistir até a fase adulta. Quando estabelecidos na fase adulta, podem ser recorrentes ao longo de toda a vida.

Essas alterações são microscópicas e impossíveis de serem detectadas em tomografias ou ressonâncias, e a descoberta se faz somente por meio de estudo funcional – como a pessoa funciona na vida – e avaliação dos prejuízos oriundos do comportamento afetado pelo TDAH.

Portanto, não existem exames de sangue, eletro ou neuroimagem que confirmem o TDAH. Tal diagnóstico depende de observação do comportamento e da performance da criança, do adolescente e do adulto. Eis por que muitas vezes o diagnóstico demora a sair. Há uma série de comportamentos que podem passar a impressão de serem “típicos de criança”, que os pais ou professores tendem a não valorizar, entendendo que essas características desaparecem com o crescimento. Infelizmente, nem sempre é verdade.

O processo começa com uma suspeita, levantada por quem lida frequentemente com essa crianças ou jovem. Ou seja, professores, cuidadores, pais, demais parentes ou profissionais. Para suspeitar, é preciso ter algum conhecimento – além de blindagem contra desinformações.

Além dos sintomas tradicionais, podem aparecer problemas de sono, frequentes alterações de humor, atrasos na linguagem, dificuldades motoras e na execução de atividades, como lentidão ou incapacidade de fazer bem feito. Também podem-se ser citados os esquecimentos de assuntos e regras repetidas vezes, prévia e claramente acordadas. Esses são sinais que devem motivar os pais a buscarem uma avaliação.

Texto extraído do livro: “Como lidar com mentes a mil por hora” – Dr. Clay Brites (Editora Gente).

 

 

 

 

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