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Mais sobre o mistério do cérebro adolescente

Há diferenças entre um cérebro adolescente e um adulto? Há competências distintivas no comportamento e na cognição? Qual o impacto na tomada de decisões das mudanças cerebrais que ocorrem na adolescência? No artigo de hoje, a neuropsicóloga Celina Vallim, explica tudo, confira!

Por: Dra. Celina Vallim
03/02/2022

O que aconteceu com Holden Caulfield foi estranho: a partir de 1951, quase simultaneamente à publicação de O apanhador no campo de centeio, romance do misterioso autor americano J. D. Salinger, o protagonista conseguiu se transformar num dos personagens mais importantes da cultura do século XX. Tratava-se, sem mais, de um adolescente de dezesseis anos que procedia com desdém a cada passo que dava, enquanto vivia desalojado de lugares que, querendo ou não, deveria abandonar.

A adolescência seguramente é uma das etapas da vida em que se transita por superfícies instáveis. É claro que não apenas a arte se ocupou dessas questões; elas se tornaram também matéria de estudo da ciência, em particular das neurociências. Isso permitiu, por exemplo, dar conta das cruciais modificações pelas quais passa o cérebro humano na adolescência.

Há diferenças entre um cérebro adolescente e um adulto? Há competências distintivas no comportamento e na cognição? Qual o impacto na tomada de decisões das mudanças cerebrais que ocorrem na adolescência? As respostas a essas perguntas já são pesquisadas há muitos anos em laboratórios por todo o mundo. É deles que provêm os resultados que apoiam uma ideia central: o processo de amadurecimento de vários circuitos durante a adolescência ainda permanece incompleto.

De uma perspectiva biológica, as mudanças que se iniciam na puberdade, entre os oito e doze anos (em média), são voltadas para a maturação dos órgãos reprodutivos. A adolescência, por sua vez, está destinada ao desenvolvimento emocional e mental antes da vida adulta. Nesse de trabalho e o controle do impulso, são as últimas áreas cerebrais a amadurecer e não se desenvolvem completamente até a terceira década da vida. O amadurecimento do cíngulo anterior, uma área que controla nossa habilidade para manter a atenção, ocorre também na adolescência. De fato, um jovem pode observar uma gradual melhora para manter a mente focalizada em variados temas por períodos mais longos e em formas mais complexas de pensamento.

Essa condição biológica deve ser levada em conta pelas ações de políticas públicas destinadas a essa faixa etária da população. E não só o estado, mas também a comunidade em geral (pais, docentes, comunicadores etc.).

Atualmente, os adolescentes enfrentam uma crescente demanda de tarefas múltiplas. Pesquisadores, psicólogos e sociólogos começam a mostrar preocupação com os efeitos a longo prazo de demandas inadequadas para um cérebro em desenvolvimento. Alguns especialistas notam que nossa sociedade pode estar estimulando o desenvolvimento de respostas rápidas nos jovens, às custas de habilidades valiosas como planejar, refletir e prever as consequências das ações.

Compreender em detalhes o amadurecimento cerebral poderia ter implicações fundamentais no tratamento de doenças do neurodesenvolvimento, e também criaria oportunidade para estimular as forças e potencialidades do adolescente. Quando o processo de amadurecimento se realiza de forma adequada, as recompensas são consideráveis. Um desenvolvimento harmônico torna possível uma capacitação maior para o pensamento abstrato, para imaginar, para planejar e para consolidar a identidade. Em especial, abre caminho para ser um mulher ou um homem pleno na sociedade.

Texto extraído do livro: Usar o cérebro – editora planeta

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