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O cérebro social e o emocional

No artigo de hoje, a neuropsicóloga Celina Vallim, explica que a emoção é um processo influenciado por nosso passado evolutivo e pessoal que desencadeia um conjunto de mudanças fisiológicas e comportamentais que são decisivas para nossa sobrevivência. Confira.

Por: Dra. Celina Vallim
02/12/2021

Costuma-se dizer que chorar de tristeza ou alegria, que ter esperança ou piedade, que irritar-se com uma injustiça e lutar obstinadamente para vencê-la nos tornam mais humanos. Na verdade, uma expressão mais precisa deveria evitar o aumentativo e dizer que são as emoções que simplesmente fazem de nós seres humanos. E não apenas as emoções positivas, mas também aquelas que nos transformam ocasionalmente em pessoas impiedosas e pessimistas.

A emoção é um processo influenciado por nosso passado evolutivo e pessoal que desencadeia um conjunto de mudanças fisiológicas e comportamentais que são decisivas para nossa sobrevivência. Tanto é assim que elas intervêm em processos cognitivos transcendentes como a memória, e a tomada de decisões. A emoção envolve então o comportamento em si e mudanças físicas internas (viscerais e do sistema nervoso autônomo), o tom de voz (prosódia) e os gestos (em que se inclui a expressão facial).

Foi Charles Darwin que em 1872, em seu trabalho intitulado As expressões das emoções em seres humanos e animais, postulou a existência de emoções básicas (como a tristeza, a alegria, a ira e o medo), que estão presentes em humanos e animais e têm uma expressão comum nas distintas espécies. Durante muito tempo essas ideias de Darwin foram relegadas, enquanto adquiriam relevância as teorias que davam mais importância ao mundo cultural. Bem mais pra cá no tempo, o psicólogo americano Paulo Ekman retomou as idéias do grande pensador inglês e mostrou que essas emoções básicas existem em diferentes culturas, inclusive naquelas que não receberam influências culturais do ocidente. Assim, essas emoções básicas se associam a expressões faciais distintivas, que são inatas e comuns nas diferentes culturas do mundo (por exemplo, o medo terá a mesma expressão facial em Buenos Aires ou na Nova Guiné, não importando que o motivo de tal emoção possa ser diferente em ambas as sociedades; seguindo a mesma linha pensamento, uma pessoa cega de nascença mostrará repugnância ou ira m uma expressão facial distinta e comum ao resto dos humanos, mesmo e nunca tenha podido ver a expressão facial dos outros). Partindo dessas reflexões, Ekman afirmou que cada emoção básica deveria estar associada a circuito cerebral particular. A neurociência afetiva dedicou grandes esforços para determinar que estruturas de nosso cérebro se associam a cada loção básica em particular.

O medo e o nojo são duas emoções básicas que receberam considerável atenção por parte da ciência. A tecnologia de imagens cerebrais e o trabalho com pacientes que sofreram lesões mostraram que uma estrutura cerebral, a amígdala, tem um papel significativo no medo e, na memória de eventos emocionais. Também evidência de que numa região cerebral conhecida como ínsula subjaz o conhecimento de sinais humanos de nojo. Em trabalho publicado com Andy Calder, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, na revista especializada Nature Neuroscience há alguns anos, estudamos NK, um paciente com uma lesão na região insular que, embora pudesse reconhecer expressões faciais de medo, ira, alegria, surpresa e tristeza, mostrava alta impossibilidade seletiva para reconhecer a sensação de asco.

Baseando-se nesses e em outros achados, acredita-se que o cérebro humano contém sistemas neurais parcialmente separados, mas interconectados, que codificam emoções específicas. Além do medo e do asco, há evidência de que outras emoções, por exemplo a ira, teriam um circuito neural distinto. A ideia de que esses sistemas estão interligados e se comunicam é essencial, porque muitas das situações emotivas cotidianas por que passamos contêm uma combinação de emoções. Também há as emoções complexas (culpa, orgulho e vergonha, entre outras) que estão associadas a padrões sociais que começam a se manifestar entre os dezoito meses e os dois anos de vida, cuja expressão varia conforme a cultura e o contexto.

As paixões, como eram chamadas as emoções pelos gregos antigos, são as que nos relacionam com nossa evolução como espécie e, ao mesmo tempo, nos tornam únicos no reino animal.

 

Texto extraído do livro: Usar o cérebro – editora planeta

 

 

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