Pesquisar
Close this search box.

Sobre a velhice, o esquecimento e a sabedoria

No artigo de hoje, a neuropsicóloga, Celina Vallim, explica que o envelhecimento cerebral "normal" ou "saudável" é uma expressão que se usa para descrever as mudanças naturais que ocorrem na ausência de doença e que não se dão de repente, a partir de um dado momento, mas sim como resultado do contínuo desenvolvimento que nós, seres humanos, experimentamos ao longo do tempo que passa. Confira.

Por: Dra. Celina Vallim
21/10/2021

O que há de certo ou errado no adágio popular que diz: “O diabo sabe mais por ser velho do que por ser diabo”? O envelhecimento cerebral “normal” ou “saudável” é uma expressão que se usa para descrever as mudanças naturais que ocorrem na ausência de doença e que não se dão de repente, a partir de um dado momento (por exemplo, quando nos aposentamos), mas sim como resultado do contínuo desenvolvimento que nós, seres humanos, experimentamos ao longo do tempo que passa.

As mudanças principais se dão como uma diminuição leve em algumas esferas da cognição a partir, inclusive, da segunda década de vida, especialmente em áreas como a memória e a velocidade de processamento. Mas isso, que poderia significar uma condição com valor negativo, vem acompanhado da qualidade positiva da experiência e do conhecimento geral, que aumenta com a idade e compensa muitas das perdas em outras áreas cognitivas. Por exemplo, as pessoas mais velhas podem demorar mais para resolver um jogo de palavras cruzadas do que uma jovem, mas é provável que seu índice de respostas corretas seja maior. Em síntese, a habilidade mental que melhora com a passagem dos anos é a sabedoria.

Hoje sabemos que, quando não há uma doença específica que destrua neurônios, a maior parte deles permanece saudável até a morte. Diversas atividades atingem seu pico máximo em diferentes idades.

As ginastas femininas, por exemplo, parecem atingir seu rendimento máximo na puberdade. Mas não deve ser surpreendente que muitos dos grandes feitos que marcaram a história cultural e política em toda a sociedade tenham sido gerados por líderes, intelectuais e artistas em sua etapa de vida mais tardia: José Saramago publicou O evangelho segundo Jesus Cristo quando tinha cerca de setenta anos de idade. Mao Tsé-Tung impulsionou a Revolução Chinesa quando já havia passado dos setenta, e Pablo Casals compôs o Hino da paz quando já havia atingido os 94 anos, entre muitos casos mais.

Para tentar esclarecer por que nossa mente se torna mais lenta à medida que passa o tempo, pesquisadores da Universidade Harvard, usando neuroimagens, observaram o cérebro de adultos sadios de 18 a 93 anos de idade e descobriram que à medida que passavam os anos ocorria uma perda de conexões entre várias estruturas cerebrais. Para muitos autores, isso constitui parte do processo conhecido como “esquecimento” Mas esse esquecimento, como apontamos em artigo anterior, nem sempre é mau; pelo contrário, muitas vezes pode ser benéfico. Do mesmo modo, estudos recentes demonstraram que inclusive aos setenta anos ainda há geração de novos neurônios, o que permitiria a produção de novas conexões, possibilitando novas aprendizagens.

Talvez por isso se tenha observado uma associação entre alto nível de educação e atividades agradáveis (viajar, sair com amigos, por exemplo) e uma diminuição da incidência do risco de desenvolver demência. O envelhecimento normal do cérebro, então, poderia ser simplesmente um processo de otimização pelo qual nos asseguramos de que as reservas cognitivas necessárias para seu bom funcionamento se conservem. Com isso, talvez se possa mudar o dito popular já citado para: “O sábio, seja Deus ou diabo, o é por ser velho”.

 

Texto extraído do livro: Usar o cérebro – editora planeta

Comentários

Veja também